Publicada em 06/08/2008 às 13h15m
Victor Barone
A notícia de que o subsecretário estadual de governo Rodrigo Bethlem vai passar a fotografar os veículos de quem procurar pelos serviços de prostitutas e travestis na orla da Barra da Tijuca, demonstra assustadora ignorância e despreparo das autoridades em lidar com o problema da prostituição de rua.
Vista como um "incômodo" pelo subsecretário estadual de governo, entidades ligadas ao turismo e Câmara Comunitária da Barra, a prostituição de rua na Barra da Tijuca é fruto do próprio estilo de vida do bairro. Confinados em shoppings centers e condomínios fechados os moradores da Barra agora pagam o preço por viverem auto-segregados em grandes bolhas.
A inauguração de sete grandes shoppings de 1995 a 2000, mais de um por ano, prejudicou bares, restaurantes e boates da Avenida Lúcio Costa que fecharam suas portas. Soma-se a isso, a baixa capacidade empreendedora dos proprietários de quiosques da orla da praia que fecham seus negócios durante à noite. O resultado é a decadência da vida noturna da Avenida Lúcio Costa após as 20 horas. Cenário este, que aliado a outros fatores, criou condições perfeitas para a gênese e o desenvolvimento da prostituição de rua na Barra da Tijuca.
A erradicação de pontos de prostituição de rua só funciona durante o seu processo de gênese que no caso da Barra da Tijuca foi há quase uma década, em 1999, quando um pequeno grupo de mulheres começou a se prostituir na Praça Professor José Bernardino no Jardim Oceânico.
A organização da prostituição de rua consiste em pontos que se originam a partir de um território matriz, normalmente o primeiro ponto de prostituição do bairro. O território matriz se forma quando a atividade passa a ser reconhecida pelos clientes e começa a atrair novos profissionais do sexo para atender à crescente demanda. O grupo de prostitutas pioneiras na área passa então a estabelecer regras para controlar e expulsar a concorrência. Desta forma, as recém chegadas são repelidas pelas que estão a mais tempo no local e se deslocam para áreas próximas formando novos pontos de prostituição. Estes, a partir do momento em que se fixam como novos territórios, adotam regras de controle e passam a repelir novas prostitutas ou travestis, que seguem adiante reproduzindo a mesma lógica. É por essa razão que a prostituição de rua resiste em Copacabana e em casos como o da Lapa, mesmo após a sua revitalização e ao aumento no fluxo de pessoas durante à noite.
Em 2004, segundo uma série de estudos realizados na Barra da Tijuca, já havia cerca de 100 prostitutas e 18 travestis, trabalhando em diferentes dias e horários, das imediações da Avenida Érico Veríssimo até o Posto 8 da Avenida Lúcio Costa. Somados, estas prostitutas e travestis ganharam, somente naquele ano, R$ 2.340.666,30 através de 58.850 programas. Com pouca escolaridade e filhos para criar, essas mulheres ganhavam em média R$ 1.772,72 por mês, se prostituindo nas ruas do bairro.
É evidente que, numa época em que as vagas no emprego formal estão cada vez mais escassas, empurrando um contingente cada vez maior de pessoas para o mercado informal, a prostituição há muito se tornou uma alternativa atraente para essas mulheres e travestis que, em sua maioria, residem em localidades pobres da Baixada de Jacarepaguá e na Rocinha.
Políticas de repressão, como fotografar clientes, além infringir o direito constitucional à imagem, o que pode custar caro aos cofres do estado com processos judiciais, são um erro gravíssimo. Quando medidas repressoras são adotadas, parte das prostitutas e travestis da área afetada, migra para outras ruas ou bairros originado novos pontos de prostituição. No caso da Barra da Tijuca, os bairros atingidos serão o Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá.
Ao final da chamada Operação Barrabacana, o subsecretário estadual de governo Rodrigo Bethlem, não só terá fracassado na sua tentativa de "sufocar" a prostituição de rua no bairro, como terá contribuido para gênese de novos pontos de prostituição de rua na cidade, ajudando a espalhar o que ele chama de "desordem urbana", uma vez que esta é apenas a ordem do possível.
Victor Barone é geógrafo, Pós-graduando em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro e pesquisa a prostituição de rua na Barra da Tijuca desde 2002.
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