sábado, 12 de abril de 2008

Jogos Olímpicos, Esporte, Política e Novas Formas de Protestos: sobre os jogos olímpicos do Tibete/2008.

Por Victor Andrade de Melo - UFRJ

De 4 em 4 anos (às vezes de 2 em 2, quando há Jogos Pan-Americanos na cidade ou devido às Copas do Mundo de Futebol), voltamos a ouvir a mesma história. Supostamente o mundo deveria parar seus conflitos para que, durante os 15 dias de um festival esportivo, celebrasse a fraternidade e a solidariedade entre os povos (sejamos justos que pouco se fala em liberdade nessas ocasiões).

Tirando aqueles que ainda crêem em figuras fantásticas (como o Papai Noel, a Fada do Dente, o Coelho da Páscoa ou mesmo a terrível Loira do Banheiro, que tanto assombra as crianças em idade escolar), sabemos que esse discurso está fundamentalmente atrelado a uma enorme estratégia para potencializar a venda e o consumo de produtos relacionados a uma das mais impressionantes e fascinantes manifestações culturais da modernidade (o esporte), naquele que é um de seus principais palcos (os grandes eventos internacionais, como é o caso dos Jogos Olímpicos). Há muitas coisas envolvidas nessa somente aparente ingênua competição esportiva mundial.

Política e esporte sempre andaram juntos, como não poderia deixar de ser, já que se trata de uma prática social como outra qualquer. Isso não é de hoje. Poucos não foram, por exemplo, os regimes totalitários que à prática esportiva se ligaram como forma estratégica de se acercar da população, de demonstrar o seu poder, de propagar determinados valores, cujo exemplo mais conhecido são os Jogos Olímpicos de Berlim/1936, também chamados de Jogos de Hitler ou Jogos do Nazismo.

Também ao redor do esporte se organizaram iniciativas de resistência. Os bascos e catalães encararam os espaços esportivos como fóruns possíveis de reunião no período de Franco. As mulheres iranianas hoje lutam pelo direito de assistir os jogos de futebol nos Estádios. Nos Jogos Olímpicos do México (1968), Tommie Smith e John Carlos, medalhistas de ouro e bronze nos 200 metros rasos, no pódio levantaram seus braços, de punhos cerrados e com as mãos cobertas por luvas negras, reproduzindo a saudação dos Panteras Negras. Por tal atitude, suas medalhas foram caçadas e ambos expulsos da delegação norte-americana.

Há ainda os episódios violentos. Nos Jogos Olímpicos de 1972 (Munique), atletas israelenses foram mortos depois de tomados como reféns pelo grupo palestino Setembro Negro. Em Atlanta (Jogos de 1996), uma bomba explodiu no Olympic Centennial Park, causando medo e matando duas pessoas. Isso sem falar nos boicotes de 1976 (Montreal), de países africanos em função do Apartheid/África do Sul; de 1980 (Moscou), de países aliados aos Estados Unidos, supostamente em função da invasão soviética no Afeganistão; e de 1984 (Los Angeles), o troco do bloco soviético, supostamente pela falta de segurança para os atletas.

Nos últimos dias vemos mais uma vez a forte ligação entre esporte e política, algo que tanto negam os dirigentes esportivos mundiais, negociantes, em diversos graus e com distintos interesses, do fascínio que ocasiona a prática esportiva. Seguindo-se aos protestos de monges tibetanos, que foram massacrados pela polícia chinesa ao reivindicarem o direito de professar sua religião e a liberdade de seu país (invadido pela China desde 1951), por todo o mundo surgiram manifestações, cujos fatos mais significativos ocorreram por ocasião do acendimento da Tocha Olímpica, realizada em Atenas, e mais recentemente com o impedimento do bom andamento do desfile da chama pelas ruas de Londres e Paris (onde inclusive foi apagada e teve que seguir o trajeto de ônibus). Nos Estados Unidos e na Argentina protestos já estão preparados, aumentando a tensão entre o Comitê Olímpico Internacional (que quer suspender a cerimônia) e os chineses (que encaram a suspensão como uma derrota).

O que diferencia esses protestos dos anteriores? A própria ordem mundial e a estratégia e alcance da reivindicação, que faz uso dos novos mecanismos telemáticos (telefonia, computadores, a grande rede mundial) para conclamar e envolver gente de todo mundo. Estamos todos em rede, eu, você, as empresas e corporações, as organizações de contestação que se reúnem no Fórum Mundial Social e contra as reuniões da OMC. Uma luta quase já não é mais somente de um grupo pequeno, mas repercute por todo o planeta, dando visibilidade enorme ao que outrora poderia ser apenas um problema interno (como a China insiste em afirmar).

Do ponto de vista simbólico, esses jogos já são o mico que ficou na mão da China. Por mais que a organização dos Jogos seja fantástica (e o será), por mais que os meios de comunicação exaltem as realizações e esqueçam os protestos, como provavelmente fará e majoritariamente o fez, por exemplo, por ocasião dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (que hoje poderiam ser chamados de Jogos Pré-Dengue?), essa versão da competição não passará para a história como aquela que provou a grandeza de um país, como esperavam os chineses, mas sim como a que confirmou a tese de que se trata de um regime desumano e violento. Os Jogos da China serão os Jogos do Tibete, país que, alias, sequer era conhecido por grande parte da população antes dos protestos.

Esse prognóstico vai se tornar mais concreto se alguns chefes de estado confirmarem que não comparecerão a abertura, postura já anunciada pela Chanceler Alemã, Angela Merkel, e pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy. Há ainda pressões sobre o primeiro-ministro inglês e sobre o presidente norte-americano para que façam o mesmo. O Parlamento Europeu já discutiu o boicote. Menos provável é que países e atletas venham a boicotar os Jogos, até mesmo porque grande parte dos Comitês Nacionais tem contratos comerciais assinados com patrocinadores diversos.

Do ponto de vista do negócio, o que realmente interessa aos dirigentes da chamada “família olímpica”, as coisas seguirão em frente, ainda que as empresas patrocinadoras expressem sua preocupação, não pelo Tibete, é obvio, mas sim por ter sua imagem ligada à tamanha polêmica. Marcas de refrigerante, de celular, de informática, de produtos esportivos, redes de televisão, entre muitos outros, devem se esforçar mais ainda para convencer a todos de que se trata do grande espetáculo de união internacional (tirando o Tibete; que país impertinente, não?).

Episódios como esses dos Jogos de Pequim/Tibete não só explicitam a relação esporte-política como também demonstram o quanto é equivocado analisar a prática esportiva a partir de um modelo único e linear (a velha chave esporte=alienação). A complexidade desse fenômeno nos conclama a análises mais aprofundadas. O esporte em si não tem uma essência boa ou ruim. Os usos que dele se faz é que vai determinar, sempre de forma matizada e relativizada, sua potencialidade enquanto ferramenta de possível benefício (ou não) para os povos. O esporte é humano (demasiadamente humano) e deve ser historicamente entendido.

Como seres humanos, vamos sim assistir os Jogos de Pequim/Tibete, e provavelmente muitos de nós vamos torcer pelas seleções/atletas nacionais e/ou ficar encantados com a magia artística das realizações atléticas. Mas convém não esquecer o Tibete. Convém não esquecer que aquilo que nos encanta nenhuma relação linear tem com solidariedade e/ou fraternidade. É um negocio como outro qualquer, que inclusive pode ou não contribuir para a melhoria das condições de vida dos cidadãos. Os Jogos de 1992 foram, por exemplo, fundamentais para Barcelona. Quanto aos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro... Alguém pode me emprestar o repelente?

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