Por Marcos Góis (Ruler)
Às vezes em uma caminhada ordinária entre a sua casa e a padaria próxima pode se revelar uma infinidade de camadas de vidas a serem percebidas por aqueles que se sentirem sensibilizados pela simples relação entre as coisas. Tentarei mostrar um pouco desse sentimento com o mundo dos seres e objetos a partir de uma experiência recente, na qual colei grau na Faculdade de Educação.
Desde o ponto de ônibus e o ambiente público que gera de imediato um conflito entre a dimensão privada da minha vida, onde vivo cercado pelos objetos e pessoas que guardam maior intimidade e conhecimento comigo, até a necessidade de sobrevivência em lugares desconhecidos e a convivência com pessoas estranhas a mim. As diferenças começam daí, nas roupas que visto para sair de casa, nos gestos e atos diferentes e nos caminhos já traçados que geram maior conforto e segurança para mim. A escolha do melhor percurso para da minha casa até o ponto de ônibus e deste até chegar ao meu destino final são táticas de viver a civilização, pelo menos de certo modo.
Em uma cidade como o Rio de Janeiro o percurso é marcado pelas estruturas viárias principais que marcam a paisagem por suas formas exuberantes. Uma viagem que tenha como percurso a Av. Brasil, por exemplo, é marcada por contornos de fábricas deterioradas e habitações como favelas e conjuntos habitacionais, pelo menos de Deodoro até o Caju. Pela janela, como faziam os antigos estudiosos das paisagens, pode se ver um mundo de seres e objetos em movimento como em um filme. Ás vezes tem-se a impressão de que tais coisas parecem conviver de forma orgânica, como em um sistema que pulsa. Às vezes é o caos que opera sobre nossos sentidos e um sentimento de rejeição provoca o fechar das cortinas das janelas.
Ao chegar à Rodoviária Novo Rio, porto de entrada de milhares de pessoas na cidade do Rio de Janeiro e primeiro cenário a ser vislumbrado por seus visitantes quando chegam à cidade, assombram a paisagem barracas azuis, trabalhadores, viadutos, veículos, moradores de rua etc. em um quadro rico em cores e texturas. A caminhada apressada deixa passar um canal poluído, um pedido de esmola ou uma batida entre carros. Tudo é tão veloz. Os ônibus amarelos que levam através do Rio antigo – Gamboa, Saúde, Pça. Mauá, Primeiro de Março –, passando pelo parkway do Aterro do Flamengo e a paisagem exuberante da Baía de Guanabara iluminada pelo sol. Até chegar finalmente no ponto do Rio Sul, marcante forma que entre as montanhas se ergue como símbolo da vocação comercial da cidade e do capital de vulto que consome espaço e postos de trabalho durante doze horas todos os dias da semana.
A caminhada termina nos prédios de outros tempos erguidos próximos a Praia Vermelha na Zona Sul da cidade. Dentro do prédio da Faculdade de Educação dirijo-me até o Salão Dourado (creio ser este o nome) onde se vê um amplo salão decorado com lustres belíssimos e a estátua de D. Pedro II. Tudo isto, a primeira vista evoca os tempos do Império no Rio de Janeiro. Símbolos que 200 anos após a chegada da Corte de Portugal são relembrados e novamente evocados pela sociedade brasileira. Mas, antes de qualquer coisa, símbolos que os cariocas gostam de reforçar como forma de diferenciar-se do resto do país.
Salão Dourado - UFRJ. Fonte: www.imagem.ufrj.br
A primeira formalidade do cerimonial é a execução do hino nacional brasileiro, uma marca formal da República Velha presente pela tradição até os dias de hoje. Ao mesmo tempo, levantando-me da cadeira ordinária que pode ser comprada em qualquer loja de material para escritório; vejo que estou presenciando vários tempos, várias sociedades, vários signos, várias normas. Tudo assomado em um mesmo lugar, como se tudo se encontrasse no Salão Dourado: o Império, a República Velha, a arquitetura neoclássica, as cadeiras modernas, o hino reproduzido em Compact Disc, o vestuário enriquecido de várias influências e tanto mais quanto pude perceber em uma hora. E ainda tinha a volta para casa com um juramento e uma certidão em mãos...
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