* Essa postagem surgiu de uma dica do Victor Barone, por e-mail.
Devemos dizer que desejávamos publicar algo sobre o carnaval às vésperas do evento, mas não deu tempo, pois nesses dias a mente se rende ao corpo e aos prazeres da vida mansa. De qualquer forma, somos adeptos da tradição popular, no que vale o ditado: “Antes tarde do que nunca!” e devemos por compromisso com nosso público fiel mostrar um pouco do nosso esforço em mostrar algumas curiosidades (científicas) sobre o carnaval.
Primeiramente, para aqueles que se interessam pelo carnaval brasileiro é fundamental a leitura de Roberto DaMatta, dentre seus diversos livros, destacamos três: Carnavais, malandros e heróis; Universo do carnaval; e O que faz o Brasil, Brasil?, os quais infelizmente não encontramos em versão eletrônica. Além deles, há um belo artigo que trata sobre cultura, do mesmo autor, disponível no link abaixo:
http://www.arq.ufsc.br/urbanismo5/artigos/artigos_mr.pdf
Por fim, para tratar com mais carinho do tema, selecionamos duas matérias publicadas pela revista ciência hoje. A primeira fala do trabalho de Roberto DaMatta sobre o Brasil e o carnaval e a segunda trata de uma pesquisa específica sobre a geografia do carnaval carioca. Leia, reflita e comente! Que sirva de inspiração...
Em tempo: Explode coração...
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A Antropologia de um Brasil não oficial
Roberto DaMatta é o quarto autor mais citado em trabalhos acadêmicos em ciências sociais no Brasil, atrás apenas de três pensadores estrangeiros, verdadeiros pilares da sociologia: Karl Marx, Max Weber e Pierre Bourdieu. Sua obra ultrapassa a fronteira da antropologia ao interpretar o Brasil em seus dilemas e ambigüidades. A partir da festa mais popular da cultura brasileira -- o carnaval --, DaMatta deixa de lado o Brasil 'oficial' e lança um novo olhar sobre o país, que põe em foco elementos geralmente deixados à margem dos estudos antropológicos.
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Apesar de ter dedicado 15 anos de estudo à etnologia indígena, a vontade de desvendar o que o carnaval diz sobre a sociedade brasileira norteou a obra de DaMatta. Foi o primeiro a trazer à luz do pensamento antropológico elementos constituintes de nossa cultura que não eram levados a sério na academia -- como a malandragem, fantasias de carnaval e música popular. "Roberto DaMatta muda a percepção da pertinência da antropologia na vida das pessoas e consegue atingir um público mais amplo", observa Everardo Rocha, ex-aluno de DaMatta e hoje professor do Departamento de Comunicação Social da PUC/Rio.
Nascido em Niterói (RJ) a 29 de julho de 1936, Roberto DaMatta esteve durante praticamente toda a década de 1960 na Universidade de Harvard (EUA), onde concluiu mestrado e doutorado. Voltou ao Brasil em 1970, bastante crítico em relação ao marxismo crasso que havia aprendido e que, segundo ele, havia formado toda sua geração. "Resolvi fazer uma antropologia independente e paguei um preço por isso", conta DaMatta. O fato de não pertencer ao grupo de intelectuais de esquerda gerou antipatia e preconceito; chegaram a dizer que o antropólogo era um imitador de Gilberto Freyre. "Sou de outra época e tenho uma formação intelectual diferente", defende-se. "Tenho consciência para certos tipos de problemas metodológicos, epistemológicos e teóricos que resultaram em uma originalidade e sofisticação muito grandes em minha obra."
Autor de 11 livros, dentre eles o clássico Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, e de mais de uma centena de artigos científicos, atualmente ocupa a cátedra Reverendo Edmund P. Joyce de antropologia da Universidade de Notre Dame, em Indiana (EUA), onde leciona desde 1987. DaMatta vive entre os EUA e Niterói, onde passa sistematicamente alguns meses por ano. Foi em sua última passagem pelo país, em maio de 2002, que ele recebeu a reportagem da CH on-line.
Roberto DaMatta foi naturalista, auxiliar, pesquisador e professor do Museu Nacional da UFRJ de 1962 a 1987, onde chefiou o Departamento de Antropologia e coordenou o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Foi professor visitante nas universidades norte-americanas de Winsconsin-Madison e Califórnia-Berkeley e da universidade inglesa de Cambridge. Proferiu conferências nos principais centros de pesquisa e ensino de antropologia social da América, Europa, Ásia e África.
Recebeu o prêmio Casa Grande & Senzala do Instituto Joaquim Nabuco como a melhor interpretação do Brasil nos anos 1980 com o livro O que faz o brasil, Brasil?. Também recebeu a Ordem do Mérito Científico e a Ordem do Rio Branco no grau de Comendador. É membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências e da American Academy of Arts and Sciences.
Paula Americano
especial para a CH on-line
julho/2002
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A Geografia do Carnaval Carioca
Não é só em fevereiro que a Sapucaí atrai atenções: o geógrafo Marcelo Pereira Matos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), respira carnaval o ano inteiro. Há cinco anos, ele estuda as relações entre o desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro e a proliferação das escolas de samba. Para isso, determinou três períodos distintos da história dos desfiles: 1932-1942, 1943-1983 e 1984-2001.
Quando as escolas começaram a surgir, eram atrações secundárias em relação às grandes manifestações do carnaval da época. Cerca de 100 integrantes desfilavam na Praça Onze, numa passarela formada entre arquibancadas desmontáveis. O primeiro desfile formal, em 1932, foi realizado com o patrocínio do Jornal Mundo Sportivo. A prefeitura oficializou o evento em 1935.
Durante o período inicial das apresentações, grande parte da população de baixa renda morava na área central do Rio e as escolas, como a Deixa-Falar (a primeira da cidade), se concentravam sobretudo no núcleo metropolitano. O contexto político do Estado Novo influenciou decisivamente as agremiações, que eram obrigadas a apresentar em seus enredos temas nacionalistas e sofriam forte repressão policial.
A partir de 1943, o desenvolvimento levou à reestruturação do centro e provocou alterações fundamentais na estrutura urbana. As obras forçaram sucessivas mudanças na localização da folia, que passou pelas avenidas Rio Branco e Presidente Antônio Carlos antes de se instalar definitivamente na avenida Marquês de Sapucaí, em 1978.
O segundo período da história das escolas de samba -- considerado seu auge -- foi marcado pelo surgimento de novas agremiações. Apesar da estagnação da área central do Rio como local de moradia, a cidade cresceu muito na periferia e as escolas acompanharam a expansão rumo às zonas Norte e Oeste, direcionada pelo traçado das linhas de trem.
Segundo Matos, o sentimento de comunidade, mais forte na periferia, é fundamental tanto para a criação de uma escola de samba quanto para sua sobrevivência. "Analisando o próprio nome das escolas, podemos observar a referência espacial e a ideologia da união de uma comunidade", explica. O pesquisador reuniu mais de 70 nomes que comprovam essa afirmativa, entre eles agremiações famosas como Unidos da Tijuca ou Acadêmicos do Salgueiro.
Com a inauguração do Sambódromo, em 1984, o desfile passou a obedecer a regras externas (como as exigências feitas pelas emissoras de TV), tornou-se palco da promoção de artistas famosos e minimizou a importância das próprias comunidades.
Apesar disso, comunidades de áreas recentemente ocupadas e novas favelas se organizaram em novas agremiações, como a Renascer de Jacarepaguá. Cresceu também a quantidade de escolas na periferia e em outros municípios da região metropolitana. A distribuição das escolas estendeu-se, enfim, por todos os espaços do Rio de Janeiro. "Afinal, a estrutura urbana constitui, ao mesmo tempo, o território das políticas urbanas e o território das práticas sociais e manifestações culturais", conclui Matos.
Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
29/03/04